Cá estou deitada no sofá. Passei aqui a noite na
tentativa de escapar ao calor húmido que se tem feito sentir. Não sei se será
do suor, ou da dificuldade em respirar, mas há uma semana que o mesmo sonho me
assombra. Por esta razão, olhar para aquela porta é como contemplar um vulcão
em erupção. Tento fugir à força interna, não da terra, mas à minha, a fim de
evitar entrar naquele quarto. Laivos de sol começam a emergir pela janela e
portas entreabertas. Olho para o termómetro de parede, que marca 29 graus
celsius. Suspiro. Mais em cima, o relógio de parede toca sete vezes numas
badaladas graves que me deixam ainda mais desconfortável. Decido levantar-me, e
o meu corpo balança em direção ao meu quarto. Entro, e encaro a escrivaninha.
Sento-me reta. As costas perfeitamente hirtas e o lápis na mão. Suspiro. Decido
que o melhor a fazer é exorcizar estas imagens que me tem invadido as noites e
colocá-las em palavras. “De manhã cedo no elevador, às setes horas em ponto,
entro e vejo o meu reflexo no espelho. Mas em vez da minha imagem aparece a de
uma menina com uns olhos negros gigantes, lágrimas de desespero e a boca cozida
com fio de nylon…” enquanto escrevo, ouço um estrondo que me faz deixar cair o
lápis ao chão, sem antes riscar a maior parte da folha. Estranho. Não consigo
identificar o som, mas desço as escadas e vou até ao 7º andar. Nada. Apenas o
silêncio habitual da matutina. Recuso-me a subir pelas escadas. Está ainda mais
calor aqui no corredor. Carrego no botão e as portas abrem-se. Fecho os olhos
para apreciar o ar condicionado. Abro-os, e a partir da visão periférica sei
que algo não está certo. Enfrento o espelho. “Não pode ser!” Guincho
internamente. A menina não está apavorada, mas os olhos são os mesmos. Parece
estar a despedir-se. Naquele momento está uma pena no elevador. Uma pena
sincera de partir. As minhas pálpebras fecham-se e no milésimo de segundo
depois, abrem-se para não ver ninguém no reflexo, além de mim mesma.
narrativa ficcional
Marlene