quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Sincronia do amor

Uma das minhas características mais marcantes é seguramente o fascínio pela observação da vida a acontecer. Do mais mundano à natureza pura, com todo o significado que lhe possamos atribuir. Sou uma observadora nata, sem qualquer intenção de ser intrusiva ou indiscreta. Apenas uma curiosidade poética, que me leva tantas vezes a devaneios profundos. 

E, num dia destes, sentada no banco de uma estação de comboios, reparo num casal bem jovem a percorrer a plataforma, com a sua filha bebé a dormir no carrinho. A rapariga para. Fico curiosa. Percebo que se vira de frente para o muro e fica de cócoras. Retira, cuidadosamente (quase em câmara lenta), os dois únicos dentes-de-leão que ainda resistem. Naquele momento, eu já sorria discretamente. Também eu não consigo passar por esta planta e ignorá-la. No entanto, o que me fez escrever este texto foi o que passou de seguida. 

Ela entrega um dente-de-leão ao rapaz e, sem uma única palavra, os dois viram-se de costas um para o outro. A bebé continua a dormir tranquilamente. Decorridos alguns segundos e, como num desporto sincronizado, os dois sopram a planta, dispersando as sementes para longe…

Desviei o olhar para que ninguém percebesse que os meus olhos estavam marejados. Por algum motivo achei aquela cena profundamente bonita, ainda que fosse tão singela. Uma sincronia perfeita, certamente o desejo de ambos era o mesmo. 

A sincronia do amor. Romântico ou não. 

Quão incrível é o paralelismo das relações humanas (ou pelo menos do que deveria ser), tendo em conta as características da planta, dente-de-leão. 

Com raízes fortes, uma capacidade incrível de propagação, mesmo nos locais mais improváveis, resistentes e resilientes. Assim são os dentes-de-leão e assim são as relações saudáveis…


Marlene


Sem comentários:

Enviar um comentário